Atualmente, muitos jovens enfrentam desafios para permanecer no
meio rural. O grande desejo de ter uma vida melhor e estável incentiva muitos a deixarem suas
origens. No entanto, a migração geralmente tem sido uma alternativa frustrada
para a sobrevivência de jovens que saem de suas comunidades.
Essa realidade vem mudando a partir da revalorização do potencial
da juventude camponesa na área de atuação do Coletivo Regional do Cariri,
Seridó e Curimataú paraibano (ou apenas Coletivo), entidade que articula
organizações de agricultores e agricultoras familiares camponeses presentes
nessas regiões em defesa da agricultura familiar sustentável e segundo o
princípio da convivência com o semiárido.
Este artigo se propõe a mostrar como os jovens se inserem na
consolidação do território de abrangência do Coletivo, envolvendo-se nas mais
variadas atividades com a consciência de que estão colaborando para o futuro da
região. Essa, digamos, missão lhes dá estímulo e melhora
sua autoestima, uma vez que passam a vislumbrar possibilidades concretas para
levar uma vida digna ao praticarem uma agricultura em bases agroecológicas.
O contexto socioambiental
O desenvolvimento rural sustentável no semiárido constitui um
enorme desafio pelas características naturais e sociais da região. A primeira
questão que apontamos, já bem conhecida, está ligada às secas, que se caracterizam
não apenas pela limitada pluviometria, mas sobretudo por sua irregularidade.
Mesmo nessas condições, a agricultura familiar continua sendo a
atividade geradora de trabalho e renda para boa parte da população rural ativa.
É no semiárido que se encontra o maior número de estabelecimentos agrícolas
familiares do Brasil. Entretanto, a estrutura fundiária é extremamente
concentrada: 42% do número total de unidades familiares do país ocupam apenas
4,2% do total da área agrícola (Censo Agropecuário 1995/96). Para completar o
quadro, as elites agrárias detêm as maiores cotas de poder, gerando dependência
econômica e política das famílias pobres em relação ao acesso à terra, à água e
à segurança e soberania alimentar.
Essa situação é particularmente desafiante no território do Cariri,
Seridó e Curimataú paraibano. As condições edafoclimáticas são as mais
extremas, a estrutura agrária está entre as mais concentradas e as organizações
de produtores caracterizam-se por sua fragilidade e vulnerabilidade frente às estruturas
do poder público municipal. Muitas famílias dependem ainda dos grandes
proprietários para terem oportunidades de trabalho e favores diversos.
O Coletivo Regional do Cariri, Seridó e Curimataú paraibano
O protagonismo da juventude se dá com muita força no Coletivo,
organização cuja origem remonta aos anos 1980, quando as Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs) tiveram forte atuação na região. Seu foco era a evangelização, mas além da fé
abarcava as dimensões da política e da ação sociotransformadora.
Esse dinamismo foi acompanhado por segmentos progressistas da
Igreja Católica, dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e de ONGs que
organizaram grupos de evangelização, bancos de sementes comunitários, mutirões
para construção e melhoria de reservatórios de água, etc. Essas ações foram se
expandindo para comunidades rurais de vários municípios. Mesmo com a
desarticulação das CEBs, a ação não parou. Segmentos da Igreja Católica local,
o STR de Soledade e ONGs, como o Patac e a Pracasa, continuaram desenvolvendo
atividades voltadas para melhorar a qualidade de vida dos camponeses,
principalmente por meio da construção (ou melhoria) de equipamentos de
armazenamento de água de chuva, a exemplo das cisternas de placas, da criação
de Fundos Rotativos Solidários (FRSs) e de Bancos de Sementes Comunitários
(BSCs).
Conforme as iniciativas de convivência com o semiárido se
irradiavam, foi se configurando, no município de Soledade, um espaço de gestão
participativa denominado Coletivo Municipal de
Educação Solidária de Soledade e Entorno. Formado
em 1998 por agricultores experimentadores e lideranças, sua primeira ação
coletiva foi a gestão de recursos dos FRS.
Esse espaço de gestão participativa se ampliou à medida que
comunidades rurais e famílias agricultoras assessoradas pelo Patac realizavam
atividades de intercâmbio de experiências e de conhecimentos. Em 2004, essa rede se fortaleceu com o aumento
da experimentação agroecológica orientada para valorizar as riquezas locais.
Suas iniciativas foram sendo cada vez mais reconhecidas, tais como a
disseminação de práticas de conservação e o uso dos recursos naturais (com
ênfase no resgate e na valorização das sementes locais, assim como na produção
e estocagem de forragem diversificada); captação da água de chuva e uso
sustentável das águas para consumo humano e produção vegetal e animal; uso e
conservação da biodiversidade local. São práticas até hoje fundamentais e
estratégicas para a permanência das famílias e para o enfrentamento dos períodos
de estiagem prolongada, mas, sobretudo,são formas de resistência e luta em
defesa da cultura e do modo de vida camponês no semiárido.
É desse movimento de resistência e luta que foi se constituindo a
identidade do Coletivo. Em alguns
anos se agregaram progressivamente associações comunitárias, STRs, igrejas e
entidades de apoio de aproximadamente 300 comunidades rurais de dez municípios
do semiárido paraibano. Consolida-se, assim, um grupo para defender um projeto
político e técnico que fortaleça redes locais de inovações agroecológica,
contrapondo-se ao modelo que separa a agricultura da natureza.
O Coletivo também atua junto à Articulação do Semiárido Paraibano
(ASA Paraíba), à Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) e à
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o que permite que as famílias participem de debates e ações
num nível muito mais amplo. Esse processo de organização é marcado pela
participação e interatividade dos jovens de várias comunidades rurais.
Fonte: Revista Agriculturas; Experiência em Agroecologia. Março
2011, vol. 8 nº 1.
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